Lavar a farda e colocar para secar dentro de casa. O bordão utilizado
por policiais militares para mostrar o quanto eles precisam manter sua
identidade em sigilo se tornou tarefa real na rotina dos PMs paulistas
nas últimas semanas, quando dezenas deles foram assassinados
fora do horário de trabalho. Conviver na mesma comunidade dos
criminosos transforma o medo em realidade permanente na vida dos agentes
da “linha de frente” da corporação.
O fato de lidar a todo momento com o risco de morte é apenas uma das tensões que rondam a vida dos policiais. Para muitos deles, a possibilidade de que bandidos se vinguem em parentes
os desestabiliza ainda mais emocionalmente. O soldado Gustavo Ferreira
Vasconcelos, do 2º Batalhão da PM na capital, conta que, desde o começo
dos ataques, trabalha o dia todo pensando no que pode estar
acontecendo em sua casa.
— Não estou preocupado comigo. O medo é de vagabundo ver onde você
mora. Eles sabem, sempre tem alguém te observando e podem pegar sua
família, seus filhos. Eles são covardes, nunca vêm de frente.
Revolta, aliás, é outro sentimento que vem à tona quando os policiais falam dos ataques recentes.
Para outro soldado, que trabalha há 13 anos na polícia e preferiu não
se identificar, o dia a dia é ainda mais estressante porque a corporação
não oferece recursos suficientes para enfrentar os criminosos.
— A responsabilidade é muito grande porque estamos trabalhando de
mãos atadas. Os ladrões têm mais regalia que nós. Eles têm armamentos
pesados, a gente tem só uma .40.
Conflito de emoções
Para a psicóloga Henriette Tognetti Penha Morato, professora do
Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), os reflexos
dessa pressão nos policiais vão além do medo e da revolta.
— Não dá para padronizar porque a reação de cada pessoa varia de
acordo com a individualidade. Mas claro que pegamos muitos casos de
depressão e policiais com pensamentos suicidas. Essa tensão diária os
leva a questionar o sentido da vida.
Henriette, que coordenou por oito anos (de 2000 a 2008) um projeto de
atendimento psicológico a policiais militares, evita afirmar que o
convívio com a violência possa levar os policiais a se
tornarem agressivos também em casa. Porém, para a psicóloga Vivien
Bonafer Ponzoni, pessoas que lidam por muitos anos com ações desse tipo
tendem a ver a violência com mais naturalidade.
— Formar homens "durões" tem um preço para o indivíduo, que muitas
vezes, deve "ajeitar" sua índole pacífica para adequar-se às
expectativas e necessidades de suas funções.
Para um segundo soldado, que também pediu para não ser identificado, a
frieza foi o resultado do convívio com a violência por mais de 20 anos.
— Hoje, sou mais frio para tudo. Nossa emoção chega de zero a cem em
segundos e, em cada um, isso reflete diferente. Uns ficam violentos e
outros sem emoção nenhuma, como é meu caso.
Outro lado
Procurada pelo R7, a PM afirmou que reconhece os
riscos que a profissão de policial envolve e diz que eles são assumidos
pelos profissionais “no ato do ingresso na carreira”. Porém, rebate as
críticas de que os agentes trabalham com equipamentos defasados e afirma
que já saem da escola de formação com "seu colete balístico, sua
algema, sua tonfa e sua pistola calibre .40". Ainda de acordo com nota
da corporação, "o serviço de radiopatrulhamento prevê que as viaturas
trabalhem integradas, com supervisão de escalões superiores”.
A corporação, entretanto, não respondeu à pergunta sobre o número de atendimentos psicológicos anuais dados aos policiais.
R7
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